Ela chega inocente, como uma primavera suave de brisa morna e agradável; com pássaros despreocupados e crianças sorridentes brincando no parque.
A gente não desconfia de nada e caminha eufóricamente com um sorriso leve, ou escancarado; feliz, em todo caso.
O sexo é alegre, leve, simples...
Então aparece uma nuvem escura em forma de palavra mal entendida, ou mal escolhida, ou mal pronunciada. Ou então um gesto de conseqüencias inesperadas, uma proposta rejeitada...
O que acontece então no coração depende de cada um, ou de ambas as pessoas envolvidas.
Pode ser um esfriamento súbito, como se o inverno se revoltasse contra essa primavera incipiente e decidisse relembrar que é ele quem se esconde no fundo de todas as coisas.
Pode ser, também, que em um, ou em ambos, um desepero surdo comece a pulsar bem no meio das tripas, o medo da ausência do outro, da perda irreparável, de que o que já foi não possa ser repetido; que não voltem mais os beijos, os risos, as carícias, as noites juntos; que na sua casa não se encham mais duas taças de vinho, que tenhamos que dormir com a insuportável presença do teu vazio.
Ou pode ser, também, que não aconteça nada e que a nuvem se dissipe no mesmo instante em que aponta no horizonte, pelo mágico poder curativo que a própria paixão confere às palavras e aos gestos do ser adorado (não digo "amado" porque bem pode ser que o apaixonado não "ame" exatamente).
Então, o "adorado" detem dois poderes outorgados pela paixão: ferir e curar.
Como uma droga. Um fármaco.
Uma droga é um medicamento, na dose adequada, ou um veneno mortal, se tomada em excesso. Pode curar, intoxicar, ou até matar.
Devemos levar em consideração essa qualidade farmacológica da paixão e estudar a sua toxicologia? A posologia do amor? A dosagem adequada, correta, prudente, científica?
Fiquem à vontade. Cada um tem o pleno e total direito de escolher como vai viver o seu tempo aqui neste lugar.
Quanto a mim, podem vir as nuvens negras.