segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Definição

Venham, palavras, venham
saiam
não quero vocês ai presas no meu peito
enquanto sinto passar o tempo
lento,
como a erosão de uma montanha
rápido,
como o amor de um pássaro

Venham palavras
me ajudem
me socorram

como eu explico pra que ela entenda?
como eu me explico pra que eu me entenda?

Então vou tentar assim:

uma lembrança que arde
um bálsamo que acalma
um gole de água quando a sede abrasa
uma dorzinha chata
uma alegria desprumada
um pensamento fugitivo que deixa a boca escancarada
uma brisa na alma
uma lágrima sem dor nem mágoa
um rio farto de peixes
uma lua ao amanhecer

e muito mais que nem sei:

ignorância braba.

Matemática

Eu vou descobrir.

Vou perguntar aos sábios antigos
aos mestres vivos
e aos mestres mortos.
Vou utilizar calculadoras científicas
super processadores
mentes brilhantes
livros, wikipedias, internets
cálculos diferencias, geometrias analíticas
números racionais, irracionais, demenciais
bruxas, visionários, pais de santo, pastores, rabinos
charlatães, profetas

o que for necessário,

mas eu vou descobrir qual é o resultado

qual o valor secreto e mágico da equação

do "x" que abre as portas do teu coração.

sábado, 29 de novembro de 2008

Pharmakón.

Estranha coisa, a paixão.

Ela chega inocente, como uma primavera suave de brisa morna e agradável; com pássaros despreocupados e crianças sorridentes brincando no parque.

A gente não desconfia de nada e caminha eufóricamente com um sorriso leve, ou escancarado; feliz, em todo caso.

O sexo é alegre, leve, simples...

Então aparece uma nuvem escura em forma de palavra mal entendida, ou mal escolhida, ou mal pronunciada. Ou então um gesto de conseqüencias inesperadas, uma proposta rejeitada...

O que acontece então no coração depende de cada um, ou de ambas as pessoas envolvidas.

Pode ser um esfriamento súbito, como se o inverno se revoltasse contra essa primavera incipiente e decidisse relembrar que é ele quem se esconde no fundo de todas as coisas.

Pode ser, também, que em um, ou em ambos, um desepero surdo comece a pulsar bem no meio das tripas, o medo da ausência do outro, da perda irreparável, de que o que já foi não possa ser repetido; que não voltem mais os beijos, os risos, as carícias, as noites juntos; que na sua casa não se encham mais duas taças de vinho, que tenhamos que dormir com a insuportável presença do teu vazio.

Ou pode ser, também, que não aconteça nada e que a nuvem se dissipe no mesmo instante em que aponta no horizonte, pelo mágico poder curativo que a própria paixão confere às palavras e aos gestos do ser adorado (não digo "amado" porque bem pode ser que o apaixonado não "ame" exatamente).

Então, o "adorado" detem dois poderes outorgados pela paixão: ferir e curar.

Como uma droga. Um fármaco.

Uma droga é um medicamento, na dose adequada, ou um veneno mortal, se tomada em excesso. Pode curar, intoxicar, ou até matar.

Devemos levar em consideração essa qualidade farmacológica da paixão e estudar a sua toxicologia? A posologia do amor? A dosagem adequada, correta, prudente, científica?

Fiquem à vontade. Cada um tem o pleno e total direito de escolher como vai viver o seu tempo aqui neste lugar.

Quanto a mim, podem vir as nuvens negras.

sábado, 8 de novembro de 2008

Dissolução

Talvez eu devesse celebrar a vida, celebrar a alegria de viver.

No fundo eu sinto que é isso mesmo que eu deveria fazer, no fundo eu sei que, como no final de "Sob as rodas" de Hemann Hesse, o segredo talvez resida em "deixar-se cair", deixar-se levar pela vida sem preocupar-se em demasia, sem questionar- se sobre significados ocultos, sentidos, propósitos... Desfrutar a alegria de viver, despreocupadamente.
Sim, eu sei. Tudo bem, é isso ai. Vocês têm razão.

Mas, por outro lado, alguma coisa me diz que essa dor surda no fundo de mim, essa nota dissonante, às vezes melancólica, por vezes angustiada, de uma angústia sem nome e sem causa, essa ferida aberta e pulsante, como um coração vivo, vivo, vivo...

Essa dor não deve ser ignorada.


Não deve ser ignorada porque da superação dessa dor brota a fonte da alegria plena.

Superação, digo? Será aceitação, talvez? Porque a dor permanece lá, o espanto surge até no meio do riso; o medo antigo faz presa de nós ao olharmos para nossas próprias mãos e pensarmos em nossos ossos lá no seu fundo silencioso, se pensarmos em nossos pulmões a se encherem de ar, e no dia inevitável em que não mais se encherão. A dor permanece lá, e se eleva entre as outras notas de alegria ou prazer, e se mistura a elas, e com elas forma a sinfonia das nossas vidas.

Aceitação.

Eres pequeno, oh homem ridículo

frágil

fraco

impotente

a tempestade do tempo sopra em teu rosto

o vento arrasta tua força, teus cabelos, teus desejos, teus sonhos

teus amores de juventude não são mais jovens e teus dentes não são mais os mesmos

ou não serão mais ou mesmos, pouco importa tua idade

veja bem, sua vida é nada

já foi

você já está morto.

A hora não chegou ainda?

Apenas um detalhe... ela não tem pressa; a presa é garantida.

Mas deixe que tudo se vá,

amores dentes força cabelos sonhos desejos

lembre-se que não eram seus

e que apenas passaram por um lugar que nunca existiu

convergência apenas somos nós

vá com eles, deixe - se cair

encontre então a alegria da dissolução

a liberdade de ser o que se vai, o que se esvai

eterna impermanência

silencio sonoro.


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Parmênides


Sou pouco mais que nuvem
que se desfaz à brisa do tempo,
pouco mais que sombra
de tudo o que desconheço,
apenas o transcurso do meu próprio desaparecimento.

Eu sei.
Eu sei,

montes antigos são hoje
apenas poeira no vento,
estrelas que ainda brilham
já morreram há muito tempo
e de outras que já nasceram
nada sabemos ao certo.

Concordo.
Concordo;

Ser é se desfazer, sim.
Mas agora, ao te olhar
mais de perto,
alguma coisa detona
a raíz do meu pensamento

como um relâmpago

um raio

uma explosão de silêncio

Teu sorriso paralizado
na fotografia,
o coração imóvel
lá dentro do peito,
aquela luz aprisionada ao seu redor
num momento qualquer,
corriqueiro.

Entre você e eu
o quieto pulsar do medo.

Oh, Rainha Imortal
deixa-me penetrar
a escura gruta
do teu segredo!